As circunstâncias actuais alertam-nos sempre para as nossas fragilidades e a presente Guerra na Ucrânia não foge à regra. Às tragédias humanas que nos entram em casa todos os dias, através da cobertura mediática, somam-se agora as consequências económicas que se começam a sentir nos nossos dias tendo em conta a nossa conhecida dependência externa. Para além dos combustíveis que muito previsivelmente só agora iniciaram a sua ‘cavalgada’ de preço, outros factores de produção lhe seguirão. Na agricultura, a auto-sustentabilidade sempre foi um chavão presente mas que, na realidade, nunca se implementou verdadeiramente no terreno. E, nesta vertente, a recente decisão da Ucrânia em ‘fechar a torneira’ do trigo e do milho, com o objectivo de poder alimentar a sua própria população, trará problemas graves aos restantes países europeus que tanto dependem destes bens. Também o adubo viu o seu preço triplicar durante o último ano e, portanto, o tema da nossa capacidade de produção alimentar volta à ordem do dia.
Neste contexto, o Correio dos Açores ouviu Manuel Ledo, Presidente da Cooperativa Terra Verde, que lembra o objectivo da associação de procurar e pugnar pela auto-sustentabilidade. Para atingir essa meta, Manuel Ledo aponta várias etapas a percorrer, sendo que a primeira delas, passa por uma aposta mais assertiva na formação. “Já propusemos, em 2014, uma proposta formativa com currículo e cargas horárias para que os alunos pudessem sair com capacidade de integração na agricultura.
Defendemos que isso seja integrado no ensino regular, na passagem do segundo para o terceiro ciclo, e onde as pessoas possam ter uma opção pela agricultura e pela pecuária. Defendemos que isso poderia acontecer em 2 concelhos; em Ponta Delgada, nos Arrifes, direccionado para a pecuária uma vez que está lá instalada a Associação e Jovens Agricultores e a outra seria na Ribeira Grande, na Escola Profissional de Rabo de Peixe ou numa outra instituição de ensino regular”, destaca.
Sobre as restrições sentidas ao nível dos cereais, o Presidente da Cooperativa Terra Verde considera que será a pecuária quem “vai sentir mais isso, porque estão dependentes das rações do exterior”. Em todo o caso, Manuel Ledo refere que a agricultura “já está a sentir problemas em relação aos fertilizantes (...) Vamos começar também a sentir na questão das sementes que vão aumentar”. Manuel Ledo lembra que “não é quando os problemas nos batem à porta que os vamos resolver. Temos obrigação de ter soluções e neste momento não temos por culpa nossa”.
“Do Governo, mas também da agricultura e dos nossos produtores que também têm uma quota-parte de responsabilidade”, afirma, realçando a necessidade de se delinearem políticas com uma perspectiva a 10 ou 15 anos e apontando um dos erros cometidos no sector nos últimos tempos.
“O produtor de leite que queira enveredar pela carne tem incentivos mas não se contempla a possibilidade de um produtor de leite que queira dedicar-se à agricultura. Foi um erro crasso”, considera Manuel Ledo que apesar de admitir que “a agricultura não é a solução para o problema que a pecuária vive, mas poderia colmatá-lo”. Seguindo o raciocínio sobre a pecuária, o Presidente da Terra Verde, realça que “se houver uma diminuição do efectivo pecuário, esses terrenos vão sobrar e poderão ser cultivados de milho ou trigo, não só para o nosso sustento mas também para o próprio efectivo pecuário”. Manuel Ledo defende claramente que “temos capacidade para sermos auto-sustentáveis, só que é necessário que existam políticas nesse sentido”.
“Temos de passar das palavras aos actos e se o Governo quer pecuária vamos incentivá-la, mas se acharmos que esta alcançou o seu máximo vamos ver o que podemos cultivar. Na agricultura temos espaço para crescer mas temos de ter uma política que seja apelativa”, reforça.
Destacando que a associação de produtores agrícolas continua a aguardar por uma audiência com o Presidente do Governo, Manuel Ledo refere que a recepção e integração de mão-de-obra ucraniana, por exemplo, poderiam ser importantes para colmatar um dos grandes problemas vividos pelo sector; a falta de mão-de-obra. “O Senhor Presidente disse, e muito bem, que estava de portas abertas para receber os ucranianos refugiados e poderíamos receber ucranianos que tivessem formação na área da agricultura, quer de trabalhadores rurais quer de técnicos superiores (...) Havendo essa mão-de-obra, nós agricultores podemos aumentar a nossa produção e, muitas vezes, não aumentamos a nossa produção por falta de mão-de-obra”, garante.
O entrevistado defende também a necessidade imediata de o Estado apoiar os agricultores, até “para que os nossos produtos cheguem ao consumidor a preços que estes possam pagar”. “A Europa já olhou para isso com um PRR que ninguém sabe muito bem o que vai acontecer. Seria importante aproveitar esse Plano e esta injecção de capital para que essas verbas sejam bem utilizadas e que não nos preocupemos apenas em gastar”, realça.
O Presidente da Terra Verde que diz falar por São Miguel, não tem dúvidas de que “temos capacidade para dar uma resposta plena”, referindo-se à capacidade de produção, “desde que haja um trabalho conjunto nesse sentido”.
Manuel Ledo destaca e garante igualmente as “óptimas condições de produção para todos os produtos e temos vários microclimas.
Somos muito ricos nos nossos solos e nas nossas condições edafo-climáticas e podemos produzir tudo”.
Correio dos Açores, 11 de março de 2022