A população de pombo-torcaz tem aumentado a olho nu nos Açores (Columba palumbus azorica) e na Madeira (Columba trocaz). São ambas espécies endémicas, mas distintas nos dois arquipélagos. Na Região, desconhece-se o total desta população mas os agricultores têm a percepção de que o número da espécie tem aumentado muito e que os prejuízos também têm crescido, mesmo com as medidas de afastamento que têm tomado. A Madeira neste momento discute a possibilidade de abrir a caça a esta espécie, uma situação que nos Açores não está em cima da mesa, mas os agricultores pedem soluções e os ambientalistas cautela.
A SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves tem uma posição muito clara: Não ao abate de aves, sem esgotar todas as possibilidades, quer seja na Madeira quer seja nos Açores. Os agricultores entendem que cabe ao poder político promover uma solução para proteger as culturas, de um sector que ainda é vulnerável e não tem o peso de pressão que outros têm, como por exemplo a pecuária.
Ledo a favor do Ambiente
sem prejudicar os agricultores
Manuel Ledo, Presidente da Terra Verde - Associação de Produtores Agrícolas do Açores, refere que esta situação não é nova, mas continua sem solução à vista. A questão da caça já foi colocada em reunião com o anterior governo, nomeadamente com a Direcção Regional das Florestas, para haver um controlo desta praga. “Reunimos há 3 anos com a Enga Anabela Isidoro [Directora Regional] e colocámos a questão dos prejuízos, não só os causados pelo pombo-torcaz mas também do coelho, espécies que estavam a promover algumas razias na agri- cultura. Mas como a legislação existente é mais para situações nacionais – grandes distâncias - e não para as aves endémicas dos Açores e da Madeira, a haver um combate desta natureza, na perspectiva do ex-professor-agricultor, há que mudar a legislação para permitir que se faça em zonas de menor dimensão e recortadas por estradas.
Manuel Ledo lembra que, excluindo a questão da caça, a Associação Terra Verde propôs ao governo que os Guardas-florestais fizessem a diminuição da população, mas também este foi uma ideia que não foi avante, já que “ninguém queria dar tiras e afectar o pombo-torcaz. Eu estive no Ultramar e dávamos tiros não para atingir mas para afugentar. Isso é possível fazer, sem causar danos. Mas isso não foi avante”.
O que se verifica, diz o ex-professor-agricultor, é que sendo uma população protegida “o normal é que o número de exemplares aumente como e aumentou muito nos últimos três anos. E como a espécie tem de se alimentar os prejudicados são os agricultores que notam que há um excedente de animais nas suas unidades agrícolas. “Os agricultores vão-se protegendo como podem, usam espantalhos, redes e outros sistemas de afugentar, entre outros, mas isso não é solução”, garante.
Manuel Ledo opina ser a favor do meio ambiente e da existência de aves, mas em equilíbrio. Entende que está na altura de o Ambiente e as Florestas reunirem-se para encontrar uma solução que minimize os estragos, sem prejudicar a parte ambiental e a sustentabilidade do meio. Também entende que todos os defensores das aves têm de contribuir para minimizar os seus estragos, isto é “nas varandas e nos quintais devem ter alimento para estes animais para que não sejam sempre os mesmos a pagar a factura, pois se assim fizessem dividia-se o mal pelas aldeias. Agora serem só os produtores da horticultura a serem prejudicados é que está mal. Esta situação vai ser novamente debatida em Novembro na Assembleia-geral da Terra Verde, altura em que se terá conhecimento dos prejuízos totais, regista o nosso interlocutor.
Espécie endémica não pode ser controlada sem avaliação completa
Já Rui Botelho, Coordenador da SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves nos Açores diz que enquanto entidade a SPEA defende “de forma inequívoca que qualquer espécie endémica dos Açores, da Madeira ou de Portugal e Europa continental não pode ser alvo de controlos populacionais sem existência de informação robusta. Isto é, informação clara sobre o aumento populacional, demonstração clara dos danos por ela causados e demonstração da não eficácia de métodos alternativos de afastamento. Para nós, essas premissas aplicam- se ao pombo-torcaz, bem como às gaivotas de patas amarelas e a outras espécies”.
O entrevistado garante: “Nós temos acompanhado o que se está a passar na Madeira com bastante preocupação. A equipa local tem feito esforços junto do Governo regional para demonstrar todas as questões e perceber se este abate perpetuado que tem realizado ao longo dos últimos anos naquele arquipélago – e não só em 2021 - tem trazido danos à população selvagem da Madeira. Isso são questões muitos graves”.
A SPEA, diz, “discorda por completo do método utilizado no controlo da espécie, opondo-se ao abate, pois entendemos que o mesmo só deve ser feito quando esgotadas todas as soluções. Na Madeira o Governo não tem respondido e, por isso, estamos a equacionar promover acções legais contra o Executivo madeirense”. Porquê? “Porque estamos a falar de uma espécie selvagem, prioritária e essencial para a floresta laurissilva – património Mundial da Unesco na Madeira - que se encontra em risco também devido aos incêndios e às alterações climáticas. E se esta espécie é essencial para a dispersão de sementes neste habitat com o abate pode-se colocar em risco todo o património natural da Madeira”.
Rui Botelho recorda que esta é uma espécie protegida [decreto lei 15/2012] e do ponto de legal a espécie tem vários estatutos de protecção, salientando que no Livro Vermelho das Aves em Portugal, na classificação das espécies, o pombo-torcaz dos Açores está com classificação insuficiente. Ou seja, não se sabe as populações que existem nas ilhas. Em 2003, últimos dados para a espécie, a densidade desta subespécie era mais baixa nos Açores do que em Portugal e na Europa continental”. Assim, “com os dados que temos nada aponta que esta seja uma espécie que esteja a aumentar”. Mas fala-se num intervalo de 18 anos, e muita coisa pode acontecer neste período de tempo, mas mesmo assim Rui Botelho não desiste de afirmar que não há dados. Neste momento, e mesmo tendo em conta quase duas décadas, “não existindo informação sobre a densidade populacional – e este trabalho tem de ser feito – não podemos avançar para qualquer medida de gestão da espécie”. Ou seja, tem de haver censos populacionais para que “possamos perceber se há grandes densidades populacionais, ou não”.
Confrontado com a percepção dos agricultores de que há mais população e consequente aumento de danos nas culturas, a pergunta que se impõe é como proteger espécie e salvaguardar as culturas e quem paga os prejuízos. Os agricultores dizem-se a favor da protecção da espécie mas querem acautelar os seus interesses. Como se liga este binómio? Rui Botelho não tem dúvidas, e insiste, que “tem de se saber qual a densidade populacional. Nós não estamos contra os agricultores, muito pelo contrário, tem de haver efectivamente uma avaliação dos prejuízos”. Contudo, realça, “estas situações têm enquadramento legal nos apoios comunitários bem como no quadro de apoios a nível nacional. Os agricultores não podem ser abandonados ao seu destino. Esse trabalho de informação, apoio técnico e financeiro, se necessário, tem de ser feito pelas entidades competentes”, para promover “todas as medidas de afastamento e de redes de protecção das culturas que minimizem e mitiguem os prejuízos”. Estes mecanismos, opina Rui Botelho, estão previstos a nível europeu. Ou seja, “a Região é que tem de se dotar destes meios que já estão disponíveis [fundos de apoio] e caso todas estas possibilidades estejam esgotadas é que se pode colocar em cima da mesa os controlos populacionais”.
Havendo danos nas culturas há menos rendimento para o agricultor e consequentemente menos produto no mercado, levando à importação, o que, no final, trará um deficit à balança comercial nos Açores. Isso é certo, e Rui Botelho concorda que há que fazer algo, mas não desiste da ideia de que “há que quantificar os danos no sector agrícola, até porque é um sector que está bastante apetrechado para fazer avaliação de prejuízos, basta ver que isso é feito quando há tempestades, quando há seca (....).
A quantificação é fácil e os técnicos têm-no feito no passado, não se percebe é porque não o fazem também nesta situação. Neste momento, apenas há folhas de queixa, e o que precisamos é de valores claros e concisos, concretos para podemos falar”.
Dá como exemplo uma questão recente. Na ilha do Pico, os produtores queixavam-se que o pombo-torcaz estava a destruir as vinhas, o Governo Regional contratualizou uma equipa de investigadores para avaliara problemática e os indicadores colados em cima da mesa é que até não era o pombo-torcaz que estava a atacar as culturas mas sim o melro-negro, mas mesmo assim não conseguiram quantificar os danos causados pela espécie”.
Rui Botelho diz que “nenhum de nós gostará de ver as suas novidades [culturas] destruídas no quintas, mas há situações que temos de ver qual a escalada. Não podemos é falar de abates de uma espécie endémica e que tem trazido benefícios à região, do ponto de vista financeiro, na relação com a natureza”.
O Coordenador da SPEA explica qual a importância do pombo-torcaz para a sustentabilidade ambiental e protecção do património natural na Região. “O pombo-torcaz é uma espécie que estava na génese da floresta laurissilva nos Açores. Esta floresta estava bastante destruída e esta ave adaptou-se a novos nichos. Estamos todos de acordo que ele usa já as áreas agrícolas para a sua alimentação, mas é um pombo tipicamente de áreas florestais. Não é um pombo que ande nas zonas urbanas, isso não está na sua matriz, embora use os jardins de Ponta Delgada para nidificar e viver”.
Para Rui Botelho não há dúvida: “O pombo-torcaz é o jardineiro da floresta dos Açores. Ele é o principal agente da dispersão de espécies como o louro, o azevinho e o pau-branco” e a sua preservação é essencial, por isso há que encontrar uma solução entre a preservação da espécie e os interesses dos agricultores.
Nélia Câmara